Archive for the ‘Pensamentos’ Category

E brasileiro? Entao corre! (parte 2)

Setembro 15, 2009

Depois de um dia cansativo de trabalho, eu estava voltando pra casa de metro com Rogerio, o brasileiro que trabalhava comigo no restaurante. Entramos no vagao vazio e nos sentamos. No banco a nossa frente havia um jornal daqueles gratuitos que dao no metro. Era o dia sucessivo a morte do Michael Jackson e na primeira pagina tinha foto imensa do cantor e uma manchete em letras garrafais “Michael Jackson is dead”.

Rogerio viu o jornal abandonado e se levantou para pega-lo. Involuntariamente pensei “Esse cara é tao ignorante que eu acho que ele nunca leu um livro inteiro na vida. Esta pegando esse jornal agora so por causa da noticia sobre a morte do Michael Jackson”.  Imediatamente depois pensei “Credo, como eu sou preconceituoso. Como eu posso pensar numa coisa dessas!”.

Quando Rogerio se sentou novamente ao meu lado com o jornal na mao lhe perguntei “Por que voce pegou o jornal?”. Eu tinha certeza que ele responderia “Pra saber sobre a morte do Michael Jackson”, mas para surpresa (ou nao) ele disse “So pra limpar meu tenis.  Tem alguma coisa grudada aqui do lado”. Entao ele rasgou um pedaço do jornal, limpou o tenis e jogou o jornal devolta no banco.

As vezes eu tenho maus pensamento, mas as vezes acho que eu nao sou cruel o bastante.

É brasileiro? Entao corre!

Junho 15, 2009

Desde que cheguei na Europa mantive sempre, por opçao minha, distancia de meus compatriotas. Me ferrei legal uma vez por causa disso mas mesmo assim, mantenho essa postura. Eu poderia explicar o porque disso com dezenas de argumentos absolutamente plausiveis, mas prefiro dar um exemplo.

 Hoje eu estava saindo para meu horario de almoço. Foi um domingo ensolarado e o parque perto do rio estava lotado. Eu tinha duas horas antes de ter que voltar para o trabalho, ja tinha trocacado de roupa e estava saindo quando o brasileiro que trabalha comigo me perguntou:

– O que voce vai fazer?

– Vou la pro parque. Vou sentar na grama e ficar lendo.

– Ler? Isso é coisa de mulher! Voce vai ficar lendo ao inves de ficar vendo o tanto de gostosa que tem por ai?!

 Fiquei absolutamente sem resposta. Virei as costas e continuei andando.

Ele esta indo pro Brasil no mes que vem, vai embora de vez. Finalmente nao vou trabalhar mais com brasileiro.

Coisas que voce nunca vai ficar sabendo

Junho 9, 2009

Domingo a noite eu estava com a maior preguiça de trabalhar e o restaurante estava às moscas. Voce sabe, quanto menos voce faz, menos voce quer fazer. Eu estava bocejando quando a maquininha dos tickets começou a imprimir um pedido. Pensei num palavao e fui ver o que era. Era um doce, ‘Cestino di Frutti’. Comecei a faze-lo. Essa sobremesa é um biscoito em formato de cesto que enchemos com chantilly, blueberryes e morangos em predacinhos. Para decorar colocamos uma folhinha de hortela e um pouco daquele acucar de confeiteiro por cima. Coloquei o doce pronto em cima do balcao e esperei que uma das garotas viessem pega-lo e servi-lo ao cliente. Milena veio busca-lo. Ela olhou para o doce e fez uma cara de desaprovaçao. Ela é polaca e nao fala nada de ingles. Acho que as unicas palavras em ingles que eu ouvi ela dizer foram ‘yes’, ‘no’ e ‘fuck off’. Pelo menos ela é muito boa de mimica. Eu olhei para o doce e nao vi nada de errado. Ela apontou para um pedaço de morango, entao entendi o que ela queria dizer. Nos somos treinados para colocar apenas um morango. Como eu acho sacanagem pagar cinco pounds em um biscoitinho com um morango, blueberryes e chantilly, eu coloco sempre dois morango. Dessa vez, como eu estava com preguiça, coloquei um so. A garota olhava para minha cara e olhava para o prato. Diante da sua insistencia peguei mais um morango, piquei e coloquei dentro do ‘cestinho’. Ela sorriu, pegou o prato e foi embora. O cliente que comeu o doce nunca sabera que ela fez isso por ele. Ela nao ganhou nada por ter feito isso, e provavelmente ela sabia que nao ganharia nada para fazer isso.

Parece uma coisa estupida, mas nao.

Ontem, segunda feira, tambem era um dia morto no trabalho. Nao tinha nada pra fazer entao eu estava conversando com uma das garçonetes, uma slovaka de vinte e seis anos que fala muito bem ingles. A conversa foi interrompida quando ouvimos um rapaz entrar pela porta da frente. Era um rapaz negro, bem vestido e de boa aparencia. Estava sozinho. Poderia ser um cliente. Ela foi recebe-lo. Os dois trocaram algumas palavras e ele foi embora. Quando ela voltou eu perguntei “quem era?”. “Estava procurando emprego. Eu disse que nao temos vagas no momento. Eu nao gosto de negros” ela me respondeu. Aquele rapaz nunca sabera que na verdade nos estamos SIM precisando de graçons no momento. Ele nunca sabera tambem que o simples fato de sua pele ser escura, ele perdeu um possivel trabalho.

Pra ser sincero, tem coisas que é melhor nem saber.

Underground

Junho 2, 2009

Sai do trabalho com a cabeça girando. Um milhao de ideias ao mesmo tempo. Eu pensava na viabilidade de cada uma das possibilidades e tentava prever as consequencias das minhas possiveis decisoes.
Fui andando pela rua sem prestar atençao em nada e em ninguém. Entrei na estaçao de Richmond e peguei o metro para voltar para casa. Desci em Hammersmith para trocar de linha. Enquanto eu esperava andava de um lado para o outro na plataforma com o cerebro fritando. Eu olhava fixo para chao enquanto andava e de repente, nao sei por que, ergui a cabeça.
Pude ver uma garota que se aproximava. Linda. Mais ou menos da minha idade, talvez um pouco mais velha. Cabelos longos e pretos. Pele clara, bem clara, que contrastava com as pequenas e delicadas tatuagens em seu pulso e ante-braço. Endossava um lindo vestido preto e meia calça da mesma cor. Usava um cinto vermelho na altura do umbigo, que compunha ainda mais o estilo, e calcava sapatos dourados, porem discretos, combinavam perfeitamente bem com todo o resto. O metro chegou desviando minha atençao.
Entramos e nos sentamos alguns a alguns metros de distancia nas poucas poltranas vagas que haviam.
Reparei que ela estava com fones de ouvido. Fiquei pensando em que musicas ela poderia estar ouvindo. Ela tinha um semblante tranquilo e olhava pelo vidro perdida em seus pensamentos. Fui me acalmando enquanto a observava. Entao ela se levantou e desceu em Green Park.
Minha cabeça voltou a rodar e ainda tinha minhas decisoes para tomar.

Judeus

Fevereiro 21, 2009

Estou morando num bairro chamado Stamford Hill, no limite das zonas 2 e 3. Estou bem localizado pois é um pouco periferico, entao se paga menos aluguel mas ao mesmo tempo é de facil acesso ao centro.

Porém, a caracteristica principal daqui sao os judeus. Toda a regiao é tomada por eles. E sao aqueles que so andam de preto, sempre kipá e um chapéu, meias brancas e o cabelo abaixo da linha das orelhas.

Eles dominam as ruas, voce nao precisa ficar mais que 30 segundos pra ver uns dois ou tres passando de um lado para o outro. E eles nao andam, correm! Minha Nossa Senhora, nao entendo porque eles andam tao rapido. Parece que estao sempre fugindo de alguém.

Eles frequentam sempre so comercios de outros judeus, tem escolas judias e moram todos uns do lado do outro. Vivem num mundo so deles e se isolam de todas as outras pessoas. Eles nao falam com voce, e nem mesmo olham pra voce.

Nos primeiros dias que eu estava morando aqui, estava voltando pra casa e desci um ponto depois do que eu deveria e me perdi. Tentei perdir informaçao pra uns tres que falavam e eles simplesmente me ignoraram. Acho que começo a entender como pensava Hitler.

Trilha sonora

Janeiro 11, 2009

Ontem foi uma noite movimentada no trabalho, que estava bem cheio e não paramos um minuto. Normalmente fechamos às duas horas, mas em noite como essa acabamos ficando até mais tarde. Lá pelas duas e meia, como tinham poucas mesas comecei levantar os banquinhos para limpar.

O aparelho de som toca músicas aleatoriamente e está sempre ligado pra manter um fundo musical. Como o local estava quase vazio, a música ficava em evidência.

No momento que comecei a varrer, começa a tocar uma música. Era uma música perfeita, era uma trilha sonora de um filme. E eu estava vivendo a cena do rapaz que encontra um emprego num pub em Milão e está varrendo o chão no fim de um dia duro. Eu me sentia bem naquele momento, desfrutava da sensação cinematográfica e prestava atenção na canção sem parar o que estava fazendo.

De repente me veio um pensamento: “só falta alguém vir e mudar a música, só pra estragar a cena”. Poucos segundos depois chega a gerente e diz pro barman “vamos desligar o som que já está tarde”.

 

Na hora eu fiquei puto e pensei “essas coisas só acontecem comigo”. Mas agora, lembrando do que aconteceu, percebi que isso foi só pra completar a cena. Afinal, esse tipo de coisa também só acontece em filmes…

Andrea e Enrico

Dezembro 22, 2008

Observar comportamentos sempre foi como um hobby para mim. E aos poucos aprendi a usar isso a meu favor. No cafe que eu trabalho tive um prato cheio.

Os donos sao um casal de sardos que migraram pra Milao ha uns trinta anos e tiveram uma vida de trabalho duro. Com muito suor criaram tres filhos homens, sendo que um dele, Enrico, tem problemas mentais. Agora que os filhos ja estao grandes tem que cuidar de uma “nonna” doente. Devido a estes e diversos outros problemas eles sao extremamente amargurados, acidos e ignorantes. Brigam o tempo todo entre eles, com os filhos e comigo. Nao demonstram nunca afeto ou carinho entre eles, so xingamentos e reclamaçoes.

Flavio é o filho mais velho, casado e com dois filhos. O vi somente duas vezes, mas foi o suficinte para perceber que sua vida tambem nao é das mais felizes.

Enrico, como ja citei, tem problemas mentais. Tem 21 anos mas é como se tivesse 10. A familia esta tentando pegar uma pensao por invalidez para ele. Ele terminou o colegial e nao faz nada da vida, so ajuda os pais no Cafe.

E por fim, Andrea. Deve ter seus 23 anos e trabalha numa empresa no periodo da tarde e noite. Na hora do almoço tambem ajuda os pais. Nao consigo entender como ele pode fazer parte daquela familia sendo tao diferente de todos. É unico que tem paciencia com Enrico. Cumpre muito bem o papel de irmao mais velho, é energico (sem ser ignorante) quando ele faz cagada e elogia quando faz as coisas certas. Brinca com ele, entra nas brincadeiras dele e faz e fala coisas so pra deixa-lo feliz. Ver o relacionamento deles me faz sentir bem.

 

Me faz lembrar do meu irmao.

 

(ps. Por favor, sem piadinhas do tipo “mas qual de voces é que tem problema mental)

Última Vitória

Dezembro 14, 2008

Como vocês já sabem, eu já tinha conseguido a cidadania. Mas tudo que eu tinha era um documento que dizia isso, me faltava ainda o passaporte e a carteira de identidade.

Eu estou morando em Milão mas a minha residência estava registrada em um endereço perto de Roma. Devido ao controle rigoroso e buracrático que faz o governo italiano, isso era um problema pra mim. Fazer esses documentos por aqui significaria perder tempo e gastar uma grana alta. Eu podia ir para Roma para tentar lá, mas por determinados motivos não era certo que eu conseguiria.

 

Finalmente depois de um certo planejamento, segunda passada eu fui pra lá. Saí de noite pra chegar lá de manhã cedo. Os orgãos públicos aqui na Itália funcionam só até meio-dia, então eu tinha que fazer tudo pela manhã. E eu tinha só um dia, pois deveria partir de volta para Milão para trabalhar na quarta-feira.

Chegando na estação de Roccasecca, Antonio, um amigo que fiz no tempo que eu morava lá, foi me buscar de carro. Fomos até a prefeitura de Castrocielo para fazer o RG, ao correio pagar as taxas e depois à delegacia de Frosinone (que fica a uns 45 quilometros de Castrocielo) para fazer o passaporte. Sozinho eu não teria feito tudo em tempo.

Meu trem saía só às onze horas da noite, portanto tive a tarde livre para rever o pessoal, a Rita e o Rocco e pra rever Castrocielo. Fui recebido com muito carinho por todos e me senti muito bem. Todos me convidaram para passar o natal e o ano novo lá.

Essa foi minha última vitória em todos os sentidos. Concluí de uma vez por todas o processo da cidadania, e vi que eu deixei uma marca em Castrocielo. Fiz amizades verdadeiras e vi que tenho com quem contar.

 

Que fique claro que quando falo “última”, me refiro a esta saga da cidadania, pois outras estão por vir…

Seis meses

Novembro 19, 2008

…mas parece que foram uns dois anos.

Vocação

Novembro 10, 2008

Pra mim é muito fácil perceber que um emprego não é pra mim, antes mesmo de começar a trabalhar já sei. Se a explicação do que eu tenho que fazer começa com “Todos os dias você tem que…” já significa que as coisas não serão tão agradáveis.

Todos os dias de trabalho iguais não são exatamente o que eu gosto, mas tem gente que adora. O sonho do Jhonny por exemplo era encontrar um emprego que ele ficasse o dia inteiro em uma cozinha só descascando batata.

 

Pois é, o que seria do verde se todos gostassem do amarelo.